domingo, 6 de maio de 2012

Amazônia: a quem interessa o código florestal?


O Brasil e especialmente o resto do mundo está acompanhando a recente discussão do código florestal. Existem dois lados claramente definidos, os que são contra e os que são a favor. No meio de toda essa polêmica está a sociedade, inclusive o ambiente.

O primordial nisso tudo é uma questão que antecede mesmo toda a discussão e que pode ser resumida na seguinte frase: os outros países tem o seu próprio código florestal que reconheça a Reserva Legal (RL) e as Áreas de Preservação Permanente (APP)? Essas duas instituições são uma imposição de limites ao que se entende como propriedade. Nessas áreas o possuidor de um imóvel compartilha o gerenciamento e os direitos de uso com toda a sociedade, pois existem severas limitações ao seu uso.

Tanto a RL quanto a APP são um bem comum do dono da área e de todos nós, mas quem paga pela manutenção das matas, pela conservação desses ambientes? Por outro lado, um imóvel rural e um imóvel urbano são propriedades, mas alguém da cidade estaria disposto a dar 80% da sua casa ou terreno urbano como uso ou direito comum? E o resto do mundo, que nem tem esses conceitos, estaria disposto a dar 80% do que lhe pertence como direito de uso comum? Duvido que aconteça.

Alguns dizem que a Amazônia é um bem da humanidade, mas como ficam os recursos tecnológicos dos países desenvolvidos, é um bem comum? Agora mesmo eu estou digitando este texto com um tablet que me custou os olhos da cara porque ninguém o compartilhou comigo, tive que pagar por ele, como mencionei, muito caro.

Ambientalistas estão querendo o veto total do Projeto de Lei 01876/1999 que é exatamente aquilo que foi discutido em pelo menos 63 audiências públicas das quais os ambientalistas, os ruralistas e cientistas participaram. Daquele ano até aqui decorreram treze anos de discussão somente deste projeto, a bem se tratar do problema. Por que então toda essa polêmica? Não houve tempo suficiente e nem argumentos para que se chegasse a um entendimento? Alguma coisa está acontecendo e que não permite um entendimento sobre o problema e isso precisa ser analisado. Se conhecido e entendido fica mais fácil de ser resolvido.

A leitura do impasse leva à leitura de um problema grave depois de 2001, com a edição da Medida Provisória 2166/67, aconteceu a criminalização da produção brasileira. Foi naquele ano que se alterou o código florestal com impactos mais significativos sobre o percentual da RL e sobre as APP elevando seus valores e no caso da Amazônia passou-se para 80% de RL. No mundo real isso significa que se um imóvel tiver 10 hectares 8 devem ser reserva. Como é que um produtor pequeno vai produzir? O que acontece com quem abriu metade o imóvel no passado quando a lei dizia que a RL era 20%? E depois, quando a RL era 50%? Simples, passa a ser criminoso.

Há quem diga “mas a lei não retroage”. Retroage, sim! Se não fosse assim, Dilma não teria assinado o Decreto 7719/2012 que adiou o prazo para averbação da reserva legal para 11 de junho de 2012, na esperança de ter o código florestal votado e sancionado. O decreto da Dilma adiou o prazo dado anteriormente pelo Decreto Presidencial 7029/2009, que por sua vez havia adiado outro Decreto Presidencial de número 6514/2008, este último conhecido popularmente como o decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais. Então há crime! Sabem por que tanto adiamento? Fácil: toda a produção dos pequenos, aqueles que compõem grande maioria produtora do Brasil não possui reserva legal! A produção brasileira está ilegal desde 2001.

Nenhum outro país tem algo que se assemelhe ao que tem o Brasil como legislação ambiental por qual motivo? Talvez a resposta seja bem óbvia. Se o nosso código florestal é bom, por que não o copiam para a Europa, Ásia, Oceania, África e restante das Américas? Precisamos nos perguntar se o Brasil é o único país iluminado e em contraste com o restante do mundo, por pura iluminação divina. Ademais, se uma lei não é cumprida por ninguém ela pode ser considerada uma boa lei? Se uma lei não cumpre seus objetivos ela ainda assim é uma boa lei? Se por tudo isso ela deve permanecer, através do veto presidencial, a quem interessa que o Brasil tenha uma lei que criminalize a produção, não funciona e, ainda por cima, não beneficia a quem ela pretende beneficiar? Certamente isso não interessa aos brasileiros.

As palavras tem significado e, especialmente no campo do Direito, nem todo Francisco é Chico. Estou mencionando isso porque se banalizou tanto a tal preservação que já virou “fuleiragem”, num termo mais regional. Preservar significa não tocar, deixar intacto, enquanto que conservar se refere a fazer o bom uso de alguma coisa para que esta coisa perdure. Então, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Já se preservou o açaí e o piratearam e até o patentearam lá fora. Fizeram o mesmo com o cupuaçu e com a seringueira, tanto que a Malásia é a maior produtora de borracha com as nossas seringueiras, sim a espécie, olhem o nome, Hevea brasiliensis. Deu pra entender? Será possível que queiram preservar impondo uma lei que impeça o nosso acesso e lhes permita piratear as nossas riquezas e os nossos princípios ativos?

Que Deus me perdoe, eu sinto muito por aqueles povos que não utilizaram corretamente os seus recursos e provocaram a si mesmos grande perda da biodiversidade, da riqueza e da humanidade até, mas eu aqui nos confins da Amazônia é que devo pagar o pato? Enquanto isso o mundo desenvolvido continua a crescer e se desenvolver e devo permanecer aqui restrito? Quer dizer que eu aqui é quem deve ficar privado do direito de ter o benefício do desenvolvimento para conservar o meu ambiente e eles podem continuar a destruir o deles? E mais, devo ficar aqui pagando a gasolina mais caro, com energia elétrica que me falta pelo menos uma vez no mês, com tarifa altíssima, enquanto que o lado rico e desenvolvido continua seu progresso com matriz energética fóssil ou nuclear? Parece aquela coisa de gente que faz promessa pra outra pessoa pagar. Tipo: vamos salvar o planeta, mas aqui não, lá no Brasil.

O desenvolvimento demanda grande responsabilidade e hoje, com os avanços científicos, sabemos todos da necessidade de se conciliar desenvolvimento e conservação ambiental, para que não passemos pelo mesmo drama, mas isso implica em também reconhecer o que foi feito no passado, nosso e deles. Vamos utilizar nossos recursos com cautela. Vamos reconstruir as florestas, porém vamos dar valor a elas, inclusive a justa paga.

Muita gente está discutindo o código florestal pensando em ecologia, mas compra CD pirata. O custo de ser ambientalmente correto é alto e eleva o valor dos produtos e a sociedade deve também levar isso em conta, mas penso se pagaria mais caro pela madeira legalizada ou pela carne ambientalmente correta, quando compra CD pirata porque é mais barato. Fico imaginando que, se a RL e as APP são um bem comum, se as pessoas pagariam pela sua conservação. Até hoje ninguém paga.

Quem já se desenvolveu aproveitou tudo o que podia e muito mais, tanto que fizeram suas colônias pelo mundo. A cultura da exploração da natureza foi trazida por eles que também levaram grandes recursos. Existimos de fato tem menos de duzentos anos e passamos pelo menos trezentos anos sendo explorados. Hoje com o país aparecendo no mercado internacional provocam-se preocupações. É um fenômeno econômico em escala global e os que antes eram explorados agora surgem como competidores.

A quem interessa o código florestal? Bem, cada um tem uma perspectiva e certamente, neste novo contexto econômico, não creio que outros países nos queiram mais ricos nem de dinheiro e nem de recursos.

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