sexta-feira, 6 de maio de 2011

Amazônia: Íntegra da liminar e da decisão sobre a invalidação da votação de urgência do Código florestal

 

(Clicar sobre “Medida Cautelar”para ir diretamente ao site do STF)

MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 30.589 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI

IMPTE.(S) : JOSE SARNEY FILHO E OUTRO(A/S)

ADV.(A/S) : JOÃO AGRIPINO DE VASCONCELOS MAIA E OUTRO(A/S)

IMPDO.(A/S) :PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

DECISÃO:

Vistos.

Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por JOSÉ SARNEY FILHO E OUTRO em face de ato do EXMO. SR. PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, “que decidiu submeter à votação em Plenário, hoje, dia 4 de maio de 2.011, através da aprovação de Regime de Urgência (sessão de ontem, 03/5/2011), o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.876, de 1999, que institui o novo Código Florestal, mediante a revogação da Lei nº 4.771, de 1965, com as alterações introduzidas pela vigente Medida Provisória n⁰ 2166-67”.

Nos termos da inicial, tem-se que:

a) Os impetrantes, deputados à Câmara Federal, são legitimados ativos para o writ, na medida em que objetivam conservar a regularidade de normas constitucionais e regimentais ligadas ao processo legislativo;

b) A natureza dos atos atacados não é interna corporis.

c) “O Exmo. Sr. Presidente da República, ancorado na regra do art. 62 da CF, em 25 de julho de 1996 editou a Medida Provisória nº 1.511, a qual, ao longo do tempo, foi sendo alterada e reeditada até a de nº 2.166, na sua sexagésima sétima edição, estabilizada a partir deste momento por força do disposto no art. 2º da EC 32, de 2001”.

d) A MP nº 2.166 não foi revogada pelo Presidente da República, muito menos apreciada pelo Congresso Nacional.

e) A pauta deliberativa da Câmara dos Deputados possui 15 medidas provisórias, “que se enquadram na previsão do § 6⁰ do art. 62, que determina o sobrestamento de todas as demais deliberações legislativas da Casaem que estiver tramitando.”

f) “Contudo, em flagrante desrespeito ao comando constitucional, o Presidente da Câmara dos Deputados houve por bem submeter ao Plenário da Casa o Substitutivo do PL 1.876/99, que institui o Novo Código Florestal e em seu art. 54 Revoga (sic) expressamente, dentre outras, a Lei 4.771/65. No entanto, não há menção à MP 2.166-67, que introduziu várias modificações na dita Lei revogada.”

g) A questão do trancamento da pauta em razão de existirem medidas provisórias sem apreciação foi objeto de decisão da autoridade impetrada, na Questão de Ordem nº 411, e, posteriormente, submetida ao Supremo Tribunal Federal, por meio do MS nº 27.931, “sendo Relator o i. Ministro CELSO DE MELLO que, em longo e judicioso despacho, denegou a liminar, mantendo a decisão do Presidente da Câmara”.

h) “Das duas decisões, a do Presidente da Câmara e a do Ministro do Supremo, extrai-se o entendimento cristalino de que o trancamento da pauta dos trabalhos legislativos somente ocorrerá em relação a projetos de lei ordinária, quando existirem Medidas Provisórias que versem sobre as matérias previstas na Constituição, não apreciadas pelo Congresso Nacional, em deliberação conjunta quando editadas antes da EC 32/01 ou, separadamente, quando posteriormente.”

i) Tem-se adotado expediente para “mascarar de constitucionalidade a inclusão em pauta” de projeto de lei ordinária, consistente na inclusão de dispositivos de matéria penal, o que afeta a integridade do objeto das medidas provisórias.

j) A decisão atacada ofende o disposto no § 6⁰ do art. 62 da Constituição Federal, “vez que submete à deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados Projeto de Lei ordinária versando sobre matéria que pode ser objeto de Medida Provisória, quando existem inúmeras medidas provisórias aguardando votação pela Casa.”

k) A decisão da autoridade também é ofensiva do art. 2⁰ da EC n⁰ 32/2001, por que a Medida Provisória 2.166-67 não foi revogada pelo Poder Executivo, nem foi apreciada pelo Congresso Nacional.

l) “Ora, se não é lei, embora tenha força de lei, não pode ser revogada pelo Projeto de Lei que se pretende votar. Ao Congresso compete deliberar definitivamente sobre ela: aprova ou rejeita. Revogar não pode porque não é lei e a revogação está inserta nas prerrogativas do Presidente da República. Aliás, o texto do Projeto em questão não faz qualquer referência a ela. Vale dizer: revoga expressamente a Lei 4.771/65, mas sobrevivem as alterações nela introduzidas pela MP 2.166-67!”

Desse modo, é requerida a concessão de liminar para determinar que “o Presidente da Câmara dos Deputados retire da pauta de sessões extraordinárias o Substitutivo ao Projeto de Lei 1.876/99, ou iniciada a votação determine a suspensão da mesma, permanecendo sobrestado ou suspenso, conforme preceitua o art. 62, § 6º, da Constituição Federal, até apreciação de todas as Medidas Provisórias que trancam nesse momento a pauta da Casa ou até decisão definitiva do presente writ pela Suprema Corte de Justiça.”

É o relatório.

1. Legitimidade dos autores e sindicabilidade do ato por mandado de segurança. Os impetrantes possuem legitimidade ativa para a ação, conforme já decidiu a Corte: “A Sessão Deliberativa Extraordinária do Senado Federal que decide sobre a perda de mandato do Presidente do Congresso Nacional, faz com que todos os parlamentares, sejam eles membros da Câmara ou do Senado Federal, tenham legítimo interesse no desfecho da Sessão, visto que, somados, compõem o Poder Legislativo, que é exercido pelo Congresso Nacional (art. 44 da CF)” (MS 26900 MC, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 12/09/2007, DJe-060 4-4-2008).

Quanto à esfera de conhecimento judicial de debates sobre atos do Poder Legislativo, a jurisprudência do STF compreende que “a sistemática interna dos procedimentos da Presidência da Câmara dos Deputados para processar os recursos dirigidos ao Plenário daquela Casa não é passível de questionamento perante o Poder Judiciário, inexistente qualquer violação da disciplina constitucional” (MS 25588 AgR, Relator: Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2009).

Como disse elegantemente o Min. CELSO DE MELLO, “não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional” (MS 24849, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 29-9-2006).

A atuação dos parlamentares, em nome próprio, por meio de mandado de segurança individual, nesse sentido, aproxima-se de uma autêntica função de curadoria da legitimidade dos procedimentos legislativos sob a óptica constitucional.

Sendo de se registrar, contudo, que há algo além disso: está-se a preservar o direito das minorias de se expressar contra abusos procedimentais – quase sempre no plano interpretativo –, cuja solução não pode ser resolvida por meio da técnica do tudo-ou-nada. É por meio dessa sutil abertura que o STF pode exercer algum tipo de sindicância dos atos parlamentares, no que se refere ao processo legislativo. Sou francamente partidário da tese da intervenção mínima do Supremo Tribunal Federal em face do Poder Legislativo, naquilo que toca a essência e a estrutura de nosso modelo democrático. Não há, todavia, como se admitir situações de renúncia absoluta ou a priori a essa possibilidade de intervenção para salvaguarda das maiorias contra elas mesmas, no momento em que sujeitam as minorias à total ausência de alternativa dentro das regras dialéticas.

É de sempre ser recordado o exemplo clássico do Direito Constitucional britânico sobre a doutrina da supremacia parlamentar, que, se fosse levada a extremos, faria com que Sua Majestade a Rainha assinasse uma lei cujo artigo primeiro a condenasse à pena de morte por enforcamento, enquanto o artigo segundo revogaria as disposições em contrário.

2. Ausência de pressupostos para concessão da liminar. Admitida a impetração, deve-se indeferir a liminar, por ausência de pressupostos.

A questão do trancamento de pauta por medidas provisórias está judicializada, como bem apontam os impetrantes, tendo o Min. CELSO DE MELLO, no MS nº 27.931/DF, indeferido a liminar e apresentado voto em plenário pela denegação da segurança, no sentido de emprestar interpretação conforme ao artigo 62, § 6º, CF/1988, de molde a que o a pauta só fique interrompida em relação a projetos de lei ordinária.

O problema central desta impetração é a aparente inclusão de questões alheias ao objeto típico da matéria legislativa em debate para que se permita a tramitação do projeto de lei. Como dizem os autores, “(..) o Substitutivo em tela, no art. 2⁰, § 2⁰, dispõe, expressamente, que as infrações penais e administrativas nele previstas serão punidas na forma da Lei 9.605/98 e de seu regulamento. Aliás, essa é a única disposição em matéria penal.”

Trata-se, ao meu ver, de argumento frágil para a concessão da liminar, o que retira da impetração o pressuposto do fumus boni iuris. Ao menos em juízo prévio e não exauriente, tenho que não há como embargar o processo legislativo por uma aparente tentativa de burla da técnica de elaboração das normas, com a inserção de objetos supostamente acessórios em relação ao centro da lei em gênese.

Entendo que a argumentação, relevante e engenhosa, baseia-se em excessivo subjetivismo da análise da norma, com critérios distintivos não expressamente contemplados na legislação constitucional. Para tanto, recordo as lições de Konrad Hesse sobre o direito das minorias, porque o princípio da maioria (Mehrheitsprinzip) não é bom por ser a vontade da maioria melhor em si. Sua utilidade é precisamente a de impedir que as maiorias seja submetidas a ações que elas desaprovam (In. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Neudruck der 20. Auflage. Heidelberg: C. F. Müller, 1999. p. 64)

Logo, se a preservação das minorias é admissível, não pode ela subverter-se em prevalência de suas posições, especialmente as interpretativas, quando não há razão justificável para essa intervenção. Do contrário, o STF assumirá o papel não só de guardião da Constituição mas também do processo político. Quanto ao primeiro, é-lhe incumbência conferida pelo próprio constituinte. Quanto ao segundo, esse não é um papel desejável para uma Corte que se pretende respeitosa das funções do Estado e de sua angulação harmônica.

Ante o exposto, indefiro a liminar.

Notifique-se a autoridade coatora para que informe o que de direito, no prazo de lei.

Ciência à Advocacia-Geral da União, para fins legais.

Após, remetam-se os autos à douta Procuradoria-Geral da

República.

Publique-se. Int..

Brasília, 6 de maio de 2011.

Ministro DIAS TOFFOLI

Relator

Documento assinado digitalmente

Nenhum comentário:

Postar um comentário

As mais lidas